sábado, 26 de setembro de 2015

O despudor golpista

“Uma vez me perguntaram se o Estado brasileiro é muito grande. Respondi assim: “Eu vou lhe dar o telefone da minha empregada, porque você está perguntando isto para mim, um cara que fez pós-¬doutorado, trabalha num lugar com ar¬-condicionado, com vista para o Cristo Redentor. Eu não dependo em nada do Estado, com exceção de segurança. Nesse condomínio social, eu moro na cobertura. Você tem que perguntar a quem precisa do Estado”.
Luiz G. Schymura.

“Não foi por decisão de Dilma que o gasto cresceu”, Valor, 07/08/2015

Duas coisas ficaram mais claras nas últimas semanas, com relação à tal da “crise brasileira”. De um lado, o despudor golpista, e de outro, a natureza ultraliberal do seu projeto para o Brasil. Do ponto de vista político, ficou claro que dá absolutamente no mesmo o motivo dos que propõem um impeachment, o fundamental é sua decisão prévia de derrubar uma presidente da República eleita por 54,5 milhões de brasileiros, há menos de um ano, o que caracteriza um projeto claramente golpista e antidemocrático, e o que pior, conduzido por lideranças medíocres e de discutível estatura moral.
Talvez, por isto mesmo, nas últimas semanas, a imprensa escalou um grupo expressivo de economistas liberais para formular as ideias e projetos do que seria o governo nascido do golpe. Sem nenhuma surpresa: quase todos repetem as mesmas fórmulas, com distintas linguagens. Todos consideram que é preciso primeiro resolver a “crise política”, para depois poder resolver a “crise econômica”; e uma vez “resolvida” a crise política, todos propõem a mesma coisa, em síntese: “menos Estado e menos política”.
Não interessa muito o detalhamento aqui das suas sugestões técnicas. O que importa é que suas premissas e conclusões são as mesmas que a utopia liberal repete desde o século XVIII, sem jamais alcançá¬-las ou comprová-¬las, como é o caso de sua crença econômica no “individualismo eficiente”, na superioridade dos “mercados desregulados”, na existência de mercados “competitivos globais”, e na sua fé cega na necessidade e possibilidade de despolitizar e reduzir ao mínimo a intervenção do Estado na vida econômica
É muito difícil para estes ideólogos que sonham com o “limbo” entender que não existe vida econômica sem política e sem Estado. É muito difícil para eles compreender ou aceitar que as duas “crises brasileiras” são duas faces de um conjunto de conflitos e disputas econômicas cruzadas cuja solução tem que passar inevitavelmente pela política e pelo Estado.
Não se trata de uma disputa que possa ser resolvida através de uma fórmula técnica de validez universal. Por isto, é uma falácia dizer que existe uma luta e uma incompatibilidade entre a “aritmética econômica” e o “voluntarismo político”. Existem várias “aritméticas econômicas” para explicar um mesmo déficit fiscal, por exemplo, todas só parcialmente verdadeiras. Parece muito difícil para os economistas em geral, e em particular para os economistas liberais, aceitarem que a economia envolve relações sociais de poder, que a economia é também uma estratégia de luta pelo poder do Estado, que pode estar mais voltado para o “pessoal da cobertura”, mas também pode ser inclinado na direção dos menos favorecidos pelas alturas.
Agora bem, na conjuntura atual, como entender o encontro e a colaboração destes economistas liberais com os políticos golpistas?
O francês Pierre Rosanvallon dá uma pista, ao fazer uma anátomo-¬patologia lógica do liberalismo da “escola fisiocrática” francesa, liderada por François Quesnay. Ela parte da proposta fisiocrático-¬liberal de redução radical da politica à economia e da transformação de todos os governos em máquinas puramente administrativas e despolitizadas, fiéis à ordem natural dos mercados. E mostra como e por que este projeto de despolitização radical da economia e do Estado leva à necessidade implacável de um “tirano” ou “déspota esclarecido” que entenda a natureza nefasta da política e do Estado, se mantenha “neutro”, e promova a supressão despótica da política, criando as condições indispensáveis para a realização da “grande utopia liberal”, dos mercados livres e desregulados.
Foi o que Rosanvallon chamou de “paradoxo fisiocrata”, ou seja: a defesa da necessidade de um “tirano liberal”, que “adormecesse” as paixões e os interesses políticos, e se possível, os eliminasse
No século XX, a experiência mais conhecida deste projeto ultraliberal foi a da ditadura do Sr. Augusto Pinochet, no Chile, que foi chamada pelo economista americano Paul Samuelson de “fascismo de mercado”. Pinochet foi ¬ por excelência ¬ a figura do “tirano” sonhado pelos fisiocratas: primitivo, quase troglodita, dedicou¬-se quase inteiramente à eliminação dos seus adversários e de toda a atividade politica dissidente, e entregou o governo de fato a um grupo de economistas ultraliberais que puderam fazer o que quiseram durante quase duas décadas.
No Brasil não faltam ¬ neste momento ¬ os candidatos com as mesmas características e os economistas sempre rápidos em propor e dispostos a levar até as últimas consequências o seu projeto de “redução radical do Estado”, e se for possível, de toda atividade política capaz de perturbar a tranquilidade de sua “aritmética econômica”.
Neste sentido, não está errado dizer que os dois lados deste mesmo projeto são cúmplices e compartem a mesma e gigantesca insensatez, ao supor que seu projeto golpista e ultraliberal não encontrará resistência, e no limite, não provocará uma rebelião ou enfrentamento civil, de grandes proporções, como nunca houve antes no Brasil.
Porque não é necessário dizer que tanto os líderes golpistas quanto seus economistas de plantão olham para o mundo como se ele fosse uma “enorme cobertura”, segundo a tipologia sugerida na epígrafe, pelo Sr. Luiz Schymura. Um raro economista liberal, em entender a natureza contraditória dos mercados, e natureza democrática do atual déficit público brasileiro.
1) P. Rosanvallon, Le liberalisme économique. Histoire de l’idée de marché, Editions Seuil, Paris, 1988
(Artigo inicialmente publicado no jornal ‘Valor Econômico’, no dia 26 de setembro de 2015)
José Luís Fiori é professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro “História, estratégia e desenvolvimento” (2014) da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Um canalha sobe 5.000% o preço de remédio nos EUA. Aqui, “mal” é o médico cubano grátis


POR FERNANDO BRITO · 24/09/2015



A matéria é o insuspeito Brasil Post, associado da Abril e o assunto está rodando na internet.

Os direitos de exploração nos Estados Unidos do Daraprim, droga utilizada no tratamento de malária e de infecções oportunistas da Aidsa foram comprados em agosto pela Turing Pharmaceuticals, startup dirigida por Martin Shkreli, ex-operador de ações de alto risco de 32 anos.

O preço do comprimido passou de US$ 13,50 para US$ 750, ou R$ 3 mil.

Segundo a Forbes, Shkreli ” é o homem mais odiado na América”, mas ele afirma não se importar.“A reação da mídia não é algo que eu levo muito a sério. Metade do país não gosta de empresas farmacêuticas. A outra metade do país não se importa “

Aqui no Brasil, país arcaico, atrasado, cheio de marcos regulatórios e intervenção do Estado, e controla (mais ou menos) o preço dos medicamentos, o Daraprim custa, em caixa de 100 comprimidos, R$ 7 — sete centavos por pílula –, o que corresponde a 0,002% do preço de um comprimido americano, segundo informa a repórter Ione Aguiar, do Brasil Post. E não há planos de subir o preço, porque a patente, aqui, não pertence ao “mauricinho”.

O assunto explodiu depois que, três dias atrás, o The New York Times fez uma matéria sobre os aumentos gigantescos de preço e sobre um tweet de Hillary Clinton que chegou a derrubar as ações das farmacêuticas na bolsa Nasdaq.

Aqui, a historinha sai sem destaque. Escarcéu, mesmo é para programa como o Mais Médicos, que deu atendimento a milhões de pessoas que não tinham nenhum, contra as carências do SUS e desprezo total pela pesquisa e produção de fármacos da Fiocruz e por sua luta para tornar a saúde uma concepção integral e não um monte de nichos lucrativos de mercado – remédios, planos privados de saúde e a ideia de que boa medicina é apenas alta tecnologia, como diz o o sanitarista Paulo Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação:

– Não interessa a alguns grupos que o Estado tenha força para intervir em absurdos como o acesso à tecnologia apenas a quem pode pagar.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Na Guerra de trincheiras da velha mídia Aécio Neves é general 5 estrelas.


Alexandre Tambelli

A grande discussão sobre os meios de comunicação hegemônicos no Brasil que temos de enfrentar e de forma realística é:

Como querer imparcialidade se a velha mídia brasileira (Rede Globo, Folha, Estadão, Veja, Band & Cia.) deixou de ser um canal de comunicação de notícias de interesse da coletividade para se tornar um instrumento puro e simples de oposição ao Brasil e aos interesses da população brasileira?

Não adianta, a mídia oligopólica brasileira vive, atualmente, apenas para:

1) Defender a Ideologia de um grupo específico de agentes econômicos poderosos e que estão em toda parte do Planeta, apesar de representarem os interesses de menos de 1% da população mundial;

2) Cooptar um conjunto de políticos e agremiações políticas e um outro conjunto, o de aliados no Judiciário, que aceitem o papel de defesa de seus interesses em troca de blindagem, tratamento cordial e positivo dos seus atos administrativos e apoio eleitoral no caso dos políticos. Dá-se apoio ao Político, ao partido político e ao membro do Judiciário que aceitar como idêntico os seus interesses econômicos e uma forma que deva coexistir na sociedade o dominante e os dominados.

Com domínio de mais de 80% dos meios de comunicação que levam informação sobre o Brasil e o Mundo aos brasileiros ela, a velha mídia, detém um Poder de formar a opinião pública brasileira inimaginável.

Acaba, pois, fornecendo aos brasileiros, a visão de mundo, que lhe interessa e a colocar acima do papel primordial de um meio de comunicação: a notícia de interesse coletivo, a defesa intransigente de sua Ideologia econômica. Ela coloca como saudável o que interessa ao 1% como interesse dos 100% dos brasileiros. E acabamos todos enredados numa Guerra ideológica sem fim.

Pró e contra a Ideologia da velha mídia. Pró e contra os aliados dela. E não mais se busca a notícia na velha mídia, quando se aprende o que ela faz hoje de forma exclusiva: propaganda ideológica. Perdeu-se a razão de assistir, ouvir, ler a velha mídia para milhões de brasileiros.

Afinal a velha mídia não faz mais Jornalismo.

Ela não separa mais a Ideologia nem da Informação mais comezinha e nem da informação que a todos beneficia. Não separa mais o interesse particular da notícia. Não respeita mais sequer a pessoa, se esta for de outra Ideologia, mesmo sendo a pessoa a mais honesta pessoa do mundo. Tudo se restringe a olhar se uma pessoa está a lhe obedecer, a seguir seu manual de instrução (o da velha mídia), a ajuda-la a implementar os interesses econômicos que defende ou não.

A velha mídia não olha os atos das pessoas mais. Olha o que ela defende, qual a Ideologia que ela pratica. Se a pessoa faz o que estes meios de comunicação defendem/representam/tem interesse ela os deixará em paz, independente de ser desonesta e do grau de desonestidade da pessoa, aqui pode ser um Político, um membro do Judiciário ou um funcionário do setor administrativo de um Governo aliado.

Porém, o radicalismo é tão grande na velha mídia, que não há tréguas nem para um agrupamento de políticos/administradores que a sua política econômica aumenta juros, faculta lucros homéricos a bancos, coloca um Ministro da Economia totalmente ligado, de muitas formas, à Ideologia e aos interesses econômicos que a velha mídia defende. Por quê?

Porque a velha mídia só aceita a receita exata que ela possui de intervenção na sociedade: o Estado mínimo e a submissão dos governantes aos ditames do Capitalismo Financeiro Internacional sem tréguas. Tudo nela se tornou uma intransigência irrefreável.

Nela não há espaço para se pensar na existência de uma sociedade menos desigual e com equilíbrio dos lucros numa divisão mais igualitária dos rendimentos do trabalho e nem sequer de hegemonia do capitalismo industrial sobre o capitalismo financeiro.

A nossa velha mídia (metaforicamente) se tornou um conjunto diminuto de países com exército poderoso e com armamentos de ponta em Guerra contra muitos outros países com exército arcaico. Está de um lado da trincheira e faz qualquer coisa para derrotar seu inimigo, porque numa Guerra não há limites, há àqueles que se precisa destruir, porque são de outra cor a bandeira, a ideologia e o modelo de sociedade ideal.

Não adianta a gente ficar sonhando nem com o apreço e respeito da velha mídia, ao menos, pelo ser humano (telespectador) que se aceita capaz de lhe dar audiência.

Ocultar a denúncia do Youssef contra o Aécio Neves é parte integrante desta Guerra. Aécio Neves faz o que a velha mídia quer, e poupado será sempre. Aécio Neves aceita agir em prol dos interesses ideológicos e econômicos da velha mídia. Ele é um General 5 estrelas da velha mídia. E por isto, somente fora da velha mídia brasileira se pôde ver, em manchete, a notícia mais importante da semana.

Quando a velha mídia perdeu a capacidade de separar a defesa intransigente de uma Ideologia econômica da prática do Jornalismo a notícia ficou em segundo plano. O centro do Jornalismo se deslocou do coletivo para o particular.

No decorrer dos anos do PT no Governo Federal foi sendo preparado o terreno para a Guerra.

A intransigência, o Jornalismo parcial e a radicalização no trato da notícia favorável só aos aliados de Guerra e contrária/negativa a todos os do outro lado da trincheira se tornou a marca registrada da vela mídia.

Seus jornalistas, comentaristas e aliados adentraram em um estado de espírito doentio, que acomodou as pessoas do lado da trincheira dos meios de comunicação em uma loucura, talvez, inconsciente de só enxergar erros nos governos Lula e Dilma, porque estes dois governos estão do outro lado da trincheira.

Aécio é o General 5 estrelas da trincheira da velha mídia. Dilma e Lula generais inimigos e numa paranoia mais abstrata eles seriam: generais vermelhos, revolucionários perigosos, comunistas infiltrados no Poder central e outras paranoias mais. Devem ser derrotados, são inimigos de Guerra ideológica.

Culminou que a sociedade brasileira foi contaminada por este vírus do Jornalismo dos erros, de trincheiras ideológicas, da intransigência contra quem não está defendendo 100% dos seus interesses e até da não notícia.

Hoje, estamos divididos. Aécio Neves representou (a) em 2014 e 2015 a redenção, a capitulação dos inimigos e a vitória da velha mídia; o PT, Lula e Dilma, os inimigos, a serem derrotados.

Hoje, as ruas representam inconscientemente a Guerra de trincheiras da velha mídia contra outras ideologias que não sejam 100% iguais a dela. As manifestações atuais da extrema-direita nasceram da intransigência da velha mídia, são resultados do não jornalismo ali praticado.

O ódio doentio contra os petistas ou defensores do Governo Dilma, contra LULA e as esquerdas, também, surgiram desta Guerra de trincheiras, da doentia paranoia de querer implementar à força e tornar hegemônico o modelo econômico que a velha mídia defende.

Qualquer Ética jornalística desapareceu, narrativas falseadas do Brasil surgiram aos montes, nenhuma lucidez se faz mais presente nestes meios de comunicação. É Guerra e as manchetes contra o inimigo são seus principais aliados, elas precisam estar 24 horas do dia em ação! Contra o inimigo não se admitem tréguas.

Por isto um General 5 estrelas não pode ser manchete, certo? Daria munição ao inimigo, se perderia uma batalha importante, e recuo considerável na ocupação do território inimigo. Aécio Neves poderá ser rebaixado de patente, esquecido, sendo alçado Geraldo Alckmin ao posto de General 5 estrelas, mas, nunca será abatido pelas manchetes.

O brasileiro foi escolhendo o lado na Guerra de trincheiras, e participa de cada batalha: nas ruas, na Internet, no lazer, no trabalho, em casa, em qualquer lugar. E em clima pesado de comunicação/interação e atitudes, infelizmente.

O triste desta Guerra é que nunca saberemos o atual estágio de desenvolvimento do Brasil, por meio destes grupos de comunicação hegemônicos no Brasil.

Podemos dizer: o Brasil de agosto de 2015 está para ser descoberto, jornalisticamente, assim, como o Brasil de antes e depois do PT.

O Jornalismo da Guerra de trincheiras é prejudicial por demais ao nosso País.

Não adianta mais querer modificar o quadro de dentro do sistema velha mídia nem de seus aliados e seguidores, porque eles se enredaram em uma realidade paralela, a da bolha maniqueísta, que descrevi outro dia e pode ser lido sobre ela neste link:

http://jornalggn.com.br/noticia/a-imprensa-e-a-bolha-maniqueista

A velha mídia está em Guerra contra o Governo Federal. Não adianta mais cobrar sensatez de quem vive em Estado de Guerra. A sobrevivência desta mídia é incerta, provavelmente, durará mais alguns anos e a sua sobrevivência se dará mantendo esta batalha interminável de jogar todos contra todos, de colocar-se ao lado de uns contra o interesse da imensa maioria.

Uma bolha resistente se vê e se fortalecerá, porém, não vamos vê-la explodir, apenas encolher-se até o último sobrevivente segurar uma já gasta vela acesa numa caverna, talvez, algum Jornalista mais realista que o rei da Rede Globo.

Veremos a bolha até tornar-se imperceptível, até um último suspiro, quando, este último sobrevivente sentindo-se só vai assoprar a vela, sair da caverna e render-se, o último soldado da fronteira inimiga!

E a Guerra será dada por terminada.