sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Juros de amor

Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo

FSP 14/01/2016
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, revelou que, entre 2004 e 2014, o
matrimônio entre democracia e Estado Social originou um crescimento real de 56,6% da renda
média domiciliar per capita no Brasil.
Considerando preços de junho de 2011, a renda saltou de R$ 549,83/mês para R$ 861,23/mês, o que
acarretou queda de aproximadamente 65% na taxa de pobreza extrema.
Mas precisamos nos apressar, alertam os Cavaleiros do Apocalipse: sem elevação nas taxas de
juros, redução do salário real, cortes na rede de proteção social e mortes nos hospitais, sofreremos
um revés nos ganhos dos últimos anos.
No Brasil do austericídio rentista, o juro básico, um senhor volúvel, simula fidelidade à
coordenação das expectativas dos formadores de preços, enquanto há anos se entrega aos encantos
da Valorização Cambial.
Dessa relação, nasceu o desmoronamento da indústria brasileira, desarticulação de um sistema de
relações intersetoriais decisivas para a formação e difusão da renda e do emprego na economia.
O trêfego avarento produziu a queda da participação da indústria de transformação no PIB de 16,6%
em 2007 para 10,9% em 2014 e a reversão no saldo da balança comercial de produtos industriais de
um superavit superior a US$ 18 bilhões em 2007 para um deficit de US$ 63,5 bilhões em 2014.
A elevação de 96,5% na taxa Selic, de 7,25% para 14,25%, entre abril de 2013 e julho de 2015,
prometia enfiar a inflação na meta. Traído pelo divórcio da taxa de câmbio e pelo choque de preços
administrados, o abandonado viu a inflação disparar.
Vingou-se na queda de 21,6% na Formação Bruta de Capital Fixo, de 4,5% no consumo das
famílias e de 5,5% do PIB, comparando o terceiro trimestre de 2013 com o mesmo período de 2015.
O Saber Econômico da Avareza, amigo cúmplice, se prontifica a demonstrar que as despesas com
juros e swap cambial são muito menores do que aparentam, a despeito de representarem cinco vezes
o orçamento da saúde e da educação, mais de oito vezes o orçamento do PAC, cinco vezes o deficit
da Previdência e mais de 16 vezes o orçamento do desenvolvimento social.
"Trata-se de uma ilusão de ótica, capaz de ser esclarecida (Kant nos socorra!) por cálculos
abstratos."
O cúmplice mimetiza as "certezas da ciência" para seduzir os teólogos da Razão Instrumental –que
tenham piedade o matemático Kurt Gödel e seu Teorema da Incompletude (impossibilidade
aritmética de um sistema ser simultaneamente completo e consistente).
Na tradição do Tribunal do Santo Ofício, o choque de tarifas e a vingança do câmbio na inflação são
absolvidos. As reduções do juro Selic são condenadas como antinaturais. Já as elevações são
impostas por forças da natureza, como a lei da gravidade. "E pur si muove", exclamaria o duplo
avesso de Galileu.
Os sacerdotes da razão instrumental repreendem os hereges que apontam as conexões entre a queda
do PIB, a derrocada fiscal e a Selic, campeã do Torneio Mundial do Jurômetro. Valem-se da
pertinente e necessária demanda por equilíbrio entre receitas e despesas públicas para incriminar
aposentados, trabalhadores e mães do Bolsa Família pelo "ataque" ao orçamento.
O governo prostra-se diante do cantochão da mídia. Os deficits primários estimados para 2015 pelo
FMI Fiscal Monitor, em outubro, dão mostras de não concordar com os apavorados nativos. Por
exemplo: -5,4% no Japão, -5% na Rússia, -3,1% no Chile, -2,8% na Índia, -2,6% no Reino Unido,
-1,8% nos Estados Unidos, -1,4% na China, -1,2% no México, -0,8% na África do Sul, - 2,6% na
média das economias de baixa renda, -2,4% nas economias emergentes, -1,5% nas economias
avançadas e -0,4% no Brasil. São deficits primários típicos de economias em desaceleração.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 73, é diretor da Facamp (Faculdades de Campinas) e professor
titular do departamento de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi
secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo José Sarney)
GABRIEL GALÍPOLO, 33, mestre em economia política e professor do departamento de
Economia da PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é sócio da Galípolo
Consultoria

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