sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Esquecer o passado

Marino Boeira
janeiro 20, 2016 Por Marino Boeira


Quem viu o filme Labirintos de Intrigas pode ter ficado surpreendido como, depois de alguns poucos anos do final da segunda guerra, a sociedade alemã, no caso a que vivia em Frankfurt, tenha esquecido tão facilmente as atrocidades cometidas pelos nazistas e aceitasse que muitos dos seus agentes mais cruéis – aqueles pertencentes as SS – pudessem retomar suas antigas funções na vida social e econômica da cidade.

O ponto de inflexão entre as lembranças da guerra e o esforço para esquecê-las talvez possa ser datado pelo período compreendido entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945, quando se reuniram na pequena cidade alemã de Potsdam, nas cercanias de Berlim, os líderes das potências vencedoras para decidir o destino da Europa após o final da guerra em maio de 45.

A conferência de Potsdam, a terceira depois de Teerã e Yalta (estas ocorridas antes do final da guerra) serviu mais para confirmar aquilo que já estava praticamente decidido nos campos de Batalha.

Se nas duas primeiras, as grandes estrelas foram Stalin, Churchill e Roosevelt, em Potsdam, Truman substituía, sem o mesmo brilho, o falecido Roosevelt; Churchill começaria a conferência, mas não a terminaria, porque derrotado nas eleições britânicas, seria substituído por Clement Atlee. Só Stalin, ainda que abalado por problemas cardíacos, seria o mesmo.

Nessa ocasião, apesar de serem aprovadas as reivindicações territoriais soviéticas (ocupação de uma parte da Polônia e anexação dos estados bálticos) a indenização pela Alemanha da enorme destruição que causara na União Soviética, não foi aprovada.

O acordo permitiu ainda o deslocamento dos alemães que ocuparam a Silésia e os Sudetos durante a guerra, numa limpeza étnica que transferiu cerca de 11 milhões de alemães entre 45 e 47, fato que ainda hoje pouco conhecido pela maioria das pessoas que estudam a segunda guerra e suas consequências.

Karlov Vary, hoje uma importante cidade turística da República Tcheca, era até 1945 praticamente uma cidade alemã. Hoje, os vestígios dessa presença são mínimos.

O que ficou claro para ingleses e americanos em Potsdam era que tinham cometido um erro em Teerã e Yalta, quando não atenderam os apelos de Stalin para abrir uma segunda frente na Europa.

O cálculo de Churchill e Roosevelt, naquelas ocasiões, era deixar sangrar alemães e russos para impor depois suas políticas sobre uma Europa totalmente debilitada. Com o que os dois não contavam era a reviravolta na guerra, com os Exércitos Vermelhos derrotando amplamente os nazistas entre o final de 43 e o ano de 44.

Quando a segunda frente foi aberta com a invasão da Normandia era tarde e os soviéticos já estavam às portas de Berlim e ocupado a maioria dos países situados a leste da Alemanha.

Por isso, os termos da Conferência de Potsdam foram amplamente favoráveis aos soviéticos na medida em que eles se apresentavam como os grandes vencedores da guerra. A partir dali a estratégia americana e inglesa foi de se preparar para um possível conflito com os russos. Era a chamada “guerra fria” que começava.

Para isso, era preciso contar mais uma vez com a Alemanha. Rompendo com uma das cláusulas do acordo que previa a divisão territorial do País em quatro áreas de ocupação até a sua unificação, quando as instituições nazistas estariam totalmente erradicadas, americanos e ingleses promoveram a criação de forma unilateral da República Federal Alemã.

Para erguer o novo país foram investidos, nos valores de hoje, cerca de 130 bilhões de dólares através do chamado Plano Marshall e para administrá-lo foram buscados os quadros formados durante o III Reich.

É esse período que o filme retrata, quando antigos assassinos de Auschwitz se transformavam em diretores de escola e velhos colaboradores do nazismo compunham os quadros do judiciário e da polícia.

Dentro dessa situação, lembrar o passado seria uma forma de perturbar o funcionamento da nova sociedade e o esquecimento passou a ser uma virtude.

É preciso olhar para frente e esquecer o passado, diziam os membros do Governo de Konrad Adenauer, lema que hoje no Brasil, muitos dos que se locupletaram durante a ditadura militar gostam de repetir.

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