quinta-feira, 5 de maio de 2016

Cunha fora – STF afia o machado para Lula e Dilma

por Bajonas Teixeira de Brito Junior, exclusivo para O Cafezinho

A decisão do STF de afastar Eduardo Cunha do mandato pode ser analisada por dois ângulos que a iluminam de forma diferente. Podemos olhar para trás, para os feitos no país de uma omissão que perdurou por cinco meses ou, ao contrário, para frente, para o futuro próximo que prenuncia outras decisões significativas  já amadurecendo nas gavetas dos ministros. No instante em que o supremo recebe o pedido para investigar Lula, feito por Janot sem outro apoio que o 'domínio do fato' - que deveria ser o 'domínio do olfato', por se tratar de uma caçada -, não parece muito oportuno que o STF se aprume como o paladino que põe ordem na casa?
A consideração retrospectiva coloca em foco especialmente o papel de Cunha para a desestabilização do governo Dilma, a propagação da enorme vergonha do país sob os holofotes da imprensa internacional e o avanço fascista ou, se se quiser, a rápida deterioração interna da sociedade, seja por regressão  de um segmento importante da população ao estado de populaça, seja pelo conflito entre os dois grupos  da parte politicamente ativa (pró e contra o impeachment) dessa população.
Enfim, a sobrevida de cinco meses dada a Cunha – e isso num tempo intensamente acelerado pela crise, em que cinco meses equivalem bem alguns anos – permitiu toda uma obra, de engenharia política reversa, que trouxe prejuízos institucionais e sociais de todo gênero. E isso vai para a balancinha da justiça. Ou melhor, do STF. Note-se, é sempre bom repetir, que com o líder do PT no Senado, o ritmo foi totalmente diverso. Foram poucas horas entre receber e decidir. Na mesma manhã em que foi preso, Delcídio do Amaral teve o seu caso analisado e decidido no STF.
Já a bandeira de Cunha, a bandeira do golpe, drapejou sobre o Congresso, como a bandeira da morte balançava nos vilarejos atingidos pela peste, por 20 semanas. Como polo magnético e dinâmico do impeachment, do qual foi o arquiteto, Cunha trouxe à superfície tudo que podia haver de pior. E o fez porque cada segundo do sursis que graciosamente lhe concedeu o STF, ele, mestre das malandragens congressuais, os usou num trabalho frenético para livrar-se da cassação e promover o impeachment. 
E se pelos frutos se conhecem o homem, eis ai a bela obra produzida por Cunha, o fosso, o abismo e o caos. A única dúvida que fica é a quem devemos parabenizar, se à criatura ou ao criador, isto é, se ao Cunha ou ao STF. O mais exasperante é lembrar que Cunha não era um meliante qualquer, mas um que tinha em seu ativo milhões e milhões de reais comprovadamente desviados de obras públicas. E esse homem foi conservado no poder todos esses meses para tocar novos projetos de desestabilização e carnificina política.
Prospectivamente, o que está em questão nessa decisão, de descarte oportuno de um ativo tóxico já exaurido, que foi habilidosamente postergada por cinco meses para que sua obra fosse concluída, é o seguinte: o que explica a decisão nesse momento?
Essa decisão, vista por seus efeitos futuros, prepara o terreno, ou afia o machado, para decapitar toda a resistência popular ao golpe. Até aqui a grande ameaça e o maior temor tem sido a de que o tiro saia pela culatra, de que a tomada do governo Dilma na mão grande, empurre a presidência para os nove dedos do PT com um novo mandato de Lula. As pesquisas indicam isso sem deixar margem a qualquer dúvida. Lula é quem mais cresce enquanto, em sentido oposto, Aécio, Alckmin e Serra desmoronam.
Portanto, para livrar o golpe do perigoso fantasma ululante de Lula, é preciso que ele seja processado, indiciado e punido. E ainda mais agora, quando Temer se torna inelegível. Não porque ele fosse uma ameaça eleitoral, mas porque tornando-se ficha suja sua biografia manchada ganha novos nuances de encardido.  E fica mais difícil sua presidência, a não ser que se carregue nas tintas, ou seja, que se jogue muita lama sobre o lado oposto, Dilma e Lula.
Além disso, há o vexame internacional. A imprensa fora do país, a começar com o sinal emitido pelo Der Spiegel, quando apontou um “kalter Putsch” (golpe frio) em sua edição de 19 de março, ridiculariza o fato de a presidente, sem máculas de corrupção, ser conduzida ao impeachment por vigaristas comprovados. Aqui também, a balança do STF está sendo chamada para ajeitar as coisas: processados Dilma e Lula, acabaria o problema. Evidente, que é preciso um alto grau de demência para crer nessa gambiarra, mas isso não é nada comparado a tudo que o STF já fez e já legitimou nesses meses. A começar pelos dois pesos e duas medidas: aprovar a prisão de Delcídio em questão de horas e  prorrogar por cinco meses o afastamento de Eduardo Cunha.
Um golpe não é um golpe. Um golpe é uma situação em que, posto o país fora da lei, do estado de direito, girando as instituições na ilegalidade, é preciso que novos arbítrios venham, recorrentemente, sustentar a obra para que ela não desmorone miseravelmente. Por isso, a reedição diária da violência é parte indissociável de qualquer golpe - violência que não é apenas física, mas à cultura, ao pensamento, à educação, etc.
Quanto a esse último ponto, basta lembra a liminar para que não se discuta o impeachment na UFMG e a lei aprovada pelos deputados de Alagoas que pune o professor que pratica "doutrinação" ideológica ou política.
Mônica Bergamo, na sua fábrica de fatos unanimemente anônimos, relata-nos que Teori ficou furioso com decisão de Lewandowski de levar ao plenário o pedido protocolado pela Rede de afastamento de Cunha, relatado por Marco Aurélio de Mello. Se isso ocorresse, seu protagonismo seria atropelado e, o que é pior, poderia ser acusado: "Zavaski ficou incomodado com a possibilidade de ser acusado de ter retardado o processo contra Cunha”. Sua alegação é que "já tinha sinalizado, na semana passada, que levaria em breve" o seu processo. Não é engraçado? O ministro do supremo não fala, nem a língua dos anjos nem a língua dos homens, mas emite sinais.
E não é ainda mais bisonha essa preocupação de ser desmascarado, isto é, de ao ser atropelado por outro pedido de afastamento de Cunha, ter que vestir a carapuça do retardamento planejado? E de quanto tempo seria esse "em breve" que decorreria até que ele levasse ao plenário sua decisão? O importante é que ao indicar que levaria outro processo ao plenário, Lewandowski cantou a senha de que já era passado o tempo dosursis concedido a Cunha.
Por muito tempo, quando o Brasil mostrar a cara, o mundo vai ver o Cunha. O Cunha do Supremo, por ele mantido artificialmente vivo por cinco meses. Ainda que morta, por muito tempo a luz dessa estrela brilhará no firmamento das “coisas brasileiras”. E tudo isso devemos agradecer ao STF.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.

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