Era uma segunda-feira de março de 2014 quando a prisão do doleiro Alberto Youssef por pagamento de propina a políticos, empresários e dirigentes da Petrobras dava início a uma das operações mais emblemáticas que já aconteceram no país: a Lava Jato, que durou até 2021. Com ela, o Brasil viveu uma das piores crises político-econômicas da história.
No início da década de 2010, o Brasil surpreendia o mundo ao se tornar a sexta maior economia do mundo, à frente inclusive do Reino Unido, que chegou a ser a principal potência mundial no século XIX. O panorama era de um país em situação de pleno emprego, longe do Mapa da Fome pela primeira vez na história e com empresas brasileiras cada vez mais presentes na América Latina, África, Ásia, Oriente Médio e até União Europeia e Estados Unidos. Mas um lava-jato de veículos em Brasília dava início a uma reviravolta a partir de 2014: o estabelecimento, apontado como um dos locais que movimentava dinheiro de origem ilegal, batizava uma operação que investigava esquemas de corrupção entre políticos, empreiteiras e a maior empresa do país, a Petrobras.
Ao longo de 79 fases e quase sete anos, a Lava Jato realizou o cumprimento de mais de mil mandados de busca e apreensão, além de ordens de prisão temporária, prisão preventiva e condução coercitiva, e colocou um ex-presidente atrás das grades: Luiz Inácio Lula da Silva, que posteriormente teve a condenação revertida por parcialidade do então juiz Sergio Moro no processo judicial. Somado a isso, o Brasil também viu a rota do crescimento inverter, quando o produto interno bruto chegou a cair 3,5% ao longo de dois anos, e ainda o impeachment de Dilma Rousseff.
O professor de história da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Pedro Campos avalia à Sputnik Brasil que a operação contribuiu e muito com a desindustrialização da economia brasileira e levou à falência um dos setores que mais empregavam no Brasil: a construção civil. Inclusive esse foi um dos motivos que fizeram o país em pouco tempo ver dobrar o número de pessoas desempregadas, que saltou de 7 milhões para 14 milhões.
"O Brasil chegou a constar como sexta maior economia do mundo. Tínhamos uma valorização na moeda nacional e também um crescimento econômico que chegou a colocar o Brasil na frente do Reino Unido, o que é algo realmente impressionante de pensar, historicamente o que é o Reino Unido, o que é o Brasil, e vínhamos em um processo de crescimento a ponto de, naquele ranking, [ter a expectativa de] ultrapassar em pouco tempo a França e logo em seguida a Alemanha", declarou.
E a euforia sob a economia brasileira embalada pelo preço nas alturas das commodities dava lugar à decepção. "De fato a operação levou a um processo de desvalorização cambial e depressão econômica que fez o Brasil descer de 6ª para 15ª economia. Depois subiu para 10ª e agora finalmente retornou ao grupo das principais economias", ressalta o especialista. Mas, para ele, caso a operação nunca tivesse ocorrido, a possibilidade é que o país viveria um cenário muito mais dinâmico, principalmente para a construção civil, um dos pilares do então crescimento brasileiro.
O que aconteceu com a Odebrecht?
Maior construtora do Brasil na época da operação, a Odebrecht era um símbolo da competitividade do país no exterior, com projetos espalhados por todo o mundo. Em 2014, chegou a empregar mais de 160 mil pessoas e faturar US$ 28,5 bilhões (R$ 142,1 bilhões em valores atuais) em um ano. Mas, tal qual outras empresas, como Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e OAS, viu a pujança ruir por conta do envolvimento em esquemas de corrupção descobertos pela Lava Jato.
"Sem sombra de dúvida, a operação Lava Jato interferiu diretamente e atrapalhou o processo de internacionalização das empreiteiras brasileiras no período recente. Então notamos justamente que essas empresas haviam se tornado grupos multinacionais com presença não só no mundo periférico, mas também nas potências tradicionais. Só a Odebrecht tinha mais de 40 obras nos Estados Unidos, obras no continente da Europa Ocidental e em vários outros locais. Porém esse processo, em boa medida, foi interrompido por conta justamente da operação Lava Jato e de todos os processos que a empresa sofreu, com a descapitalização", explica o professor da UFRRJ.
Segundo o especialista, a empresa, que mudou de nome em 2020, chegou a ser listada pela Engineering News Record, revista norte-americana que faz o ranking das maiores empreiteiras do mundo, como a sexta maior do planeta.
"Era uma empresa corrupta, sim, e, mais grave que isso, ela violava o direito do trabalhador, estava associada à ditadura brasileira e outras coisas gravíssimas. Mas agora, as outras empresas do chamado primeiro mundo são limpas, não pagam comissões e propinas?", questiona, ao apontar que a Lava Jato foi influenciada inclusive por grandes empresas de outros países, que usaram as denúncias de corrupção como arma para praticamente tirar do mapa a concorrência.
"Então, digamos assim, foi bastante positivo que a Odebrecht tivesse sofrido esse processo de denúncia de corrupção para outros grupos econômicos rivais que concorriam com ela no mercado internacional", acrescenta.
Outro fator que mostra a interferência externa na operação, lembra o professor, foi a colaboração direta do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, inclusive com juízes e agentes do sistema de Justiça do Paraná instruídos pelo órgão norte-americano. Bastou pouco mais de um ano para o país entrar em depressão econômica.
"As consequências da operação Lava Jato foram gravíssimas, então o que se deixou de arrecadar é muito maior do que o que supostamente foi devolvido para o Estado mediante os acordos de leniência, mediante todo esse processo de devolução de recursos", conclui.
O jornalista, cientista político e professor de relações internacionais Bruno Rocha Lima enfatizou à Sputnik Brasil que a operação Lava Jato ajudou a fortalecer a direita brasileira e intensificou a polarização, historicamente ligada às disputas entre PT e PSDB. Além disso, sob o lema de combate à corrupção, ajudou a levar figuras como o hoje ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o centro do debate no país. "Não acredito que o bolsonarismo existisse como opção política sem a operação, seria impossível. Esse crescimento se aproveitou de um discurso moralista para se projetar. Não haveria esse espaço todo se não tivesse o conluio da grande imprensa", aponta.
Isso ainda levou, conforme o especialista, à queda do projeto de poder ligado à social-democracia liderado pelo PT, além dos então partidos de oposição, como PSDB e DEM (a sigla se fundiu com o PSL e atualmente é o União Brasil) e o MDB, sempre ligado aos governos de turno. "A Petrobras seria muito mais forte, as empresas brasileiras também e o BNDES não teria sido alvo de denúncias horrorosas feitas pela direita […]. Eu entendo que o tema da corrupção deixa de ser um tabu e passa a ser visto como passível de ser combatido [após a operação], mas o governo Bolsonaro aprimora os sistemas de benefícios indiretos, de modo a sempre haver suspeita e nunca evidência", diz.
O doutor em ciência política e professor universitário Rodolfo Marques acrescenta à Sputnik Brasil ainda que a Lava Jato foi trampolim para o então promotor do Ministério Público Federal no Paraná Deltan Dallagnol e Sergio Moro emergirem na carreira política. "Em um primeiro momento, o Moro adere ao bolsonarismo, torna-se ministro de Estado, posteriormente é pré-candidato a presidente da República, mas não consegue apoio partidário. Tem a candidatura ao Senado, é eleito com uma votação muito alta, assim como Deltan Dallagnol também, como deputado federal", alega.
Apesar de ter vencido a eleição presidencial em 2022, voltando ao poder após seis anos, o especialista acredita que o PT foi o partido mais afetado pela operação, que desde então passou a ter grandes dificuldades em emplacar nomes para os Executivos nos estados e municípios brasileiros.
"O PSDB também foi afetado, houve várias lideranças envolvidas nessas investigações, como o Aécio Neves. O ex-presidente Michel Temer teve investigações contra si. Após ele sair do mandato, em 2019, ele teve uma prisão rápida, deflagrada a partir da operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Aquela situação ali do quadrilhão do MDB, cujo caso na época estava com o juiz da Lava Jato no Rio de Janeiro, o Marcelo Bretas", finaliza.
A indiferença atua poderosamente na história. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça mas porque a massa dos homens abdica da sua vontade. A fatalidade que parece dominar a história não é mais do que a aparência ilusória deste absentismo. Por Antonio Gramsci.
Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e tomar partido. Indiferença é abulia, parasitismo, cobardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.
A indiferença é o peso morto da história. É a bola de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heroica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heroico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos.
O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça mas porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há factos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso.
Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os factos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenómeno natural, uma erupção, um terremoto, de que todos são vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às consequências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu ceticismo, ao facto de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal, combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante factos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspetivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum género.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado e pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.
Yascha Mounk estrutura seu livro, escolhido como o Melhor de 2023 por The Economist, Financial Times e Prospect Magazine, “A Armadilha da Identidade: uma História de Ideias e Poder em Nosso Tempo” [The Identity Trap: A Story of Ideas and Power in Our Time. New York: Penguin Press, 2023.] em quatro partes, além da Introdução. A primeira, Origens da Síntese da Identidade, possui quatro capítulos; a segunda, Vitória da Síntese da Identidade, com três; a terceira, Falhas da Síntese da Identidade, tem seis capítulos; a quarta, Em Defesa do Universalismo, dois capítulos.
A Conclusão, Como Escapar da Armadilha da Desigualdade, pode ser considerada um capítulo final com quatro tópicos. Acrescenta também um Apêndice explicativo: por qual razão a Síntese de Identidade não é marxista. O livro interessará não só aos ativistas de esquerda, mas a todos os leitores cultos com interesse de conhecer o debate político contemporâneo no mundo ocidental.
Ele não é só “politicamente correto” para o debate público em todo o mundo, em especial para os simpatizantes da ideologia de esquerda. Ele é preventivo contra uma tendência equivocada já observada por grupos de pressão nas Universidades em busca de favorecimento sem maior esforço nos estudos. Por isso, eu o resenho aqui como um incentivo à sua leitura e divulgação de suas ideias.
Por ser bastante didático, é uma leitura relativamente fácil – e sintética caso o leitor deseje fazer uma leitura dinâmica. Esta deve ser o primeiro contato com o livro. O que sugere o título? Será possível adivinhar seu conteúdo só com essa informação? Qual tipo de mensagem ou ideia poderá estar contida nas suas páginas?
A leitura ativa consiste em se fazer essas perguntas e ver se são respondidas pelo título ou pela leitura do Prefácio ou Introdução, onde o autor justifica suas razões para escrever o livro. Um bom Sumário costuma mostrar o fio-condutor do livro.
Se você tem familiaridade com o assunto, ao ver quem o autor cita, já terá uma ideia do tipo de orientação teóricaou ideológica seguida. Antes de ler todo o livro, uma boa ideia é ler rapidamente o capítulo introdutório. Nele, o autor alinha as ideias com o objetivo de as desenvolver no texto. Costuma ser um guia para aquilo adiante. Em geral, não antecipa as conclusões.
Yascha Mounk facilita a leitura do seu livro não só com uma Introdução geral, mas tem outras em suas quatro partes. Lista, no fim de cada capítulo, as Principais Conclusões.
Vou tentar resumir esse guia de leitura. Inicialmente, registra: “todos os quatro dos meus avós foram mandados para a prisão por causa das suas crenças comunistas durante as décadas de 1920 ou 1930”. Depois, eles se convenceram de novos governos de esquerda tornariam o mundo um lugar melhor – conseguindo superar os preconceitos e os ódios tribais.
Adotaram, vivendo na Europa, um credo reformista de socialdemocracia. Este tentava humanizar o capitalismo, misturando-lhe um estado de bem-estar social.
A missão histórica da esquerda consistia em expandir o círculo de simpatia humana através das fronteiras da família, tribo, religião e etnia. Estar à esquerda era acreditar em:
1. os humanos são igualmente importantes, independentemente do grupo ao qual pertencem;
2. devemos procurar formas de solidariedade política transcendentes às identidades de grupo enraizadas na raça ou na religião; e
3. podemos fazer uma causa comum na busca de ideais universais como justiça e igualdade.
Esse é o esquerdismo universalista com o qual Mounk foi criado. Mas já não é a corrente dominante da esquerda hoje. Em vez disso, ao longo das últimas cinco décadas, tornou-se uma marca de muitos movimentos de esquerda o fato de rejeitarem a existência de uma verdade objetiva ou a esperança de uma sociedade mais harmoniosa outrora inspiradora.
Hoje, esquerdistas infantis abraçam orgulhosamente o apelo da etnicidade e da religião, em vez de serem céticos em relação à força destrutiva de tais identidades de grupo. Até mesmo rejeitam a própria possibilidade de pessoas de diferentes países e culturas possam algum dia vir a compreender-se verdadeiramente.
Na parte I, Mounk procura descobrir a história por trás dessa transformação. Por que a esquerda abandonou o seu universalismo e abraçou uma nova forma de tribalismo?
A mudança identitária da esquerda não é simplesmente uma forma de “marxismo cultural” como ele mostra no capítulo 1. Para compreender o surgimento da síntese identitária, regressa ao seu ímpeto original em Paris nas décadas de 1950 e 1960.
Os principais teóricos “pós-modernos”, entre os quais Michel Foucault, estavam antes impregnados de ideias comunistas. Depois, o núcleo da filosofia insurgente passou a consistir na rejeição de todas as “grandes narrativas”, entre as quais, o marxismo.
Essa rejeição das grandes narrativas levou os teóricos pós-modernos a tornarem-se profundamente céticos em relação às reivindicações de verdade objetiva e de valores universais. Levou-os a rejeitar categorias de identidade como “mulher” ou “proletário”.
Foucault argumentou contra a noção generalizada de as sociedades democráticas terem se tornado mais humanistas no tratamento dispensado aos criminosos, aos doentes mentais ou às minorias sexuais. Na realidade, as sociedades apenas encontraram formas mais sofisticadas de controlar o comportamento dos aberrantes.
Os filósofos tradicionalmente assumiam as instituições formais, como os Estados, exercerem o poder de cima para baixo. Foucault argumentou as sociedades modernas exercerem o controle social de uma forma mais sútil ou molecular com “discursos” informais determinantes de o que as pessoas devem pensar e/ou podem fazer.
Dedutivamente, isto colocou em dúvida se uma revolução contra as relações de poder estatal poderia algum dia, de fato, libertar as pessoas. As revoluções fracassaram nisso…
O pós-modernismo, com o seu ataque às verdades antes supostas universais, proporcionou uma ferramenta fundamental para as ex-colônias. Abandonaram as antigas tradições dos colonizadores de cujo eurocentrismo desconfiavam.
Contra a natureza apolítica do pós-modernismo, resolveram colocar a análise do discurso em uso explicitamente político, remodelando os discursos dominantes de forma a ajudar diretamente os oprimidos. Com a adoção do “essencialismo estratégico”, politicamente útil (assumido como fosse “correto”), os ativistas encorajaram as pessoas a organizarem-se com base nas suas identidades de grupo.
O movimento pelos direitos civis transformou os Estados Unidos ao abolir a maioria das formas pelas quais as leis e instituições discriminavam os afro-americanos. Mas as vitórias legais não se traduziram em mudanças igualmente radicais.
Ativistas começaram a culpar o quadro moral básico do movimento pelos direitos civis, com a sua ênfase no universalismo. Teriam errado ao fazer da “dessegregação” o principal objetivo da reforma escolar. Contrapuseram a “segregação reparadora”!
A teoria crítica da raça negava os princípios morais universais ajudarem a provocar um progresso político genuíno. O aparente progresso da Era dos Direitos Civis revelou-se uma função do interesse racial dos brancos. O racismo americano nunca se atenuaria.
O conceito de “interseccionalidade” captou como a legislação existente sobre discriminação não conseguiu reconhecer os desafios enfrentados pelas mulheres negras. Não se reduziam a sofrer os problemas das mulheres brancas e dos homens negros.
De acordo com os defensores de um sentido mais amplo de interseccionalidade, os membros de diferentes grupos de identidade nunca conseguem compreender plenamente as experiências uns dos outros. Como diferentes formas de opressão se reforçam, mutuamente, a eficácia de ativismo contra uma injustiça específica também precisa de combater todas as outras formas de opressão baseadas na identidade.
Desde a década de 1960, partes da esquerda americana prestaram atenção crescente às questões sociais ligadas à opressão com base na raça, gênero e sexualidade. Quando a União Soviética entrou em colapso, em 1991, a esquerda superou a luta de classes e tornou-se cada vez mais focada em questões de cultura e identidade.
Esta transformação foi ainda mais acelerada pelo surgimento de um novo conjunto de departamentos acadêmicos dedicados ao estudo de questões de identidade, tais como estudos de gênero, de mídia, afro-americanos, latinos e estudos sobre deficiência.
Gradualmente, a tripla influência do pós-modernismo, do pós-colonialismo e da teoria racial crítica deu origem a uma “síntese de identidade”. Esta nova ideologia foi definida por sete temas principais:
1. a rejeição da existência de uma verdade objetiva;
2. a utilização de uma forma de análise do discurso para fins explicitamente políticos;
3. uma adoção do essencialismo estratégico;
4. um profundo pessimismo sobre a possibilidade de superar o racismo ou outras formas de intolerância;
5. uma preferência por políticas públicas com distinção explícita dos cidadãos com base no grupo ao qual pertencem;
6. uma adoção da interseccionalidade como estratégia de organização política; e
7. um profundo ceticismo quanto à capacidade dos membros de diferentes grupos comunicarem entre si.
Paradoxalmente, muitos dos pensadores, com obras inspiradoras da síntese da identidade, expressaram sérias dúvidas sobre a forma como o próprio trabalho transformou a esquerda – e se lamentam…
Falta desenvolver mais. Identitarismo está “matando” a luta da esquerda.