Nesta semana assistimos a mais um episódio corriqueiro do capitalismo brasileiro.
Uma empresa estatal lucrativa, a Sabesp, foi dada de presente para a turma do mercado financeiro em um processo de privatização pouco transparente.
Na imprensa, predominou a opinião hegemônica privatista, que está calcada naquela ladainha de sempre: a venda é positiva porque livrará a empresa das amarras políticas do estado e consequentemente a tornará mais eficiente.
Esse é o roteiro manjado das privatizações no Brasil. O fim é invariavelmente o mesmo: demissão em massa, programas de demissão voluntária, corte de gastos, terceirizações e, consequentemente, acionistas ficando mais ricos e a população sofrendo com a piora na qualidade dos serviços prestados.
A Sabesp é a maior empresa de saneamento do Brasil e uma das maiores do mundo, e vem batendo recordes de lucratividade ano após ano. Mesmo assim, o governador Tarcísio de Freitas – junto com os grandes tubarões da Faria Lima – decidiu entregar a empresa para a iniciativa privada. Tudo feito sob os aplausos de uma imprensa historicamente comprometida com a agenda privatista.
O governo de São Paulo recebeu 14,8 bilhões de reais por 32% das ações da companhia. Agora, com apenas 18,3% do capital total, o governo perdeu o controle da empresa. Quem passa a dar as cartas é a Equatorial Energia, que arrematou a estatal com ações 22% abaixo do valor de mercado. Uma pechincha!
A empresa pagou R$ 67 por cada ação da Sabesp e, no mesmo dia, como uma dessas mágicas que só acontecem no mercado financeiro, o valor da ação pulou para R$ 82. A explicação dos faria limers para a valorização repentina é um velho cliché: o mercado precificou os ganhos que a empresa terá com uma gestão mais moderna e eficiente. Trata-se de uma falácia que ficou evidenciada pelas recentes privatizações de serviços essenciais.
Se levarmos em conta que essa é a primeira grande atuação da empresa na área de esgoto e abastecimento de água, a fé cega no aumento da eficiência pós- privatização torna-se ainda mais ridícula.
Lembremos o exemplo da Enel em São Paulo, a empresa que comprou a Eletropaulo prometendo eficiência, mas presta um serviço precário. Graças às demissões em massa, terceirização, precarização do trabalho e redução drástica nos custos operacionais, boa parte das cidades da Região Metropolitana de São Paulo sofreu 120 horas de apagão no ano passado. O serviço piorou, mas o lucro dos acionistas está garantido.
Eficiência sem experiência no setor?
A Equatorial é uma empresa especializada no setor elétrico, sem praticamente nenhuma experiência em saneamento básico. A companhia presta esse tipo de serviço apenas em algumas cidades do Amapá, que não tem nem 1 milhão de habitantes. Vale lembrar que o estado sofreu com um dos maiores blecautes do país em 2020. Na ocasião, quase 800 mil pessoas ficaram sem energia por 22 dias, afetando 15 dos 16 municípios do estado.
O estado é considerado pelos diretores da empresa como um "laboratório" para novos negócios no setor. Isso significa que a prestação de um serviço fundamental para quase 30 milhões de paulistas foi repassada para uma empresa sem expertise na área. Claro, com a privatização sacramentada, a Sabesp deixa de ter como objetivo principal a prestação de um bom serviço para a população para se tornar uma empresa que prioriza a geração de lucro para os acionistas.
A falta de capacidade técnica e experiência para comandar um negócio desse porte torna-se mero detalhe para os donos da empresa e para o governador.
É curioso notar que a Equatorial foi a única empresa a participar da concorrência. Já entrou em campo com o jogo ganho. Para poder participar, as empresas interessadas tiveram apenas 3 dias para se inscrever no processo de licitação e apresentar um grande volume de documentos. Nenhuma empresa deu conta dessas exigências, apenas a Equatorial, o que ajuda a explicar a falta de concorrência.
Mais curioso ainda é saber que até sete meses atrás, a presidente do Conselho de Administração da Sabesp fazia parte do conselho da Equatorial. Vejam que coincidência formidável! O fato em si não é ilegal, mas é de uma imoralidade absoluta, indiscutível. Infelizmente, isso não foi o suficiente para motivar a indignação dos quase sempre indignados colunistões da grande imprensa. Reinou o silêncio nas páginas da Folha e nos programas da GloboNews.